Um estudo publicado na revista “Science” nesta quinta-feira (21) lança luz sobre a amnésia infantil, fenômeno pelo qual não conseguimos lembrar de experiências da primeira infância. A pesquisa acompanhou mais de 20 bebês e demonstrou que, apesar de suas mentes serem capazes de formar memórias, elas se tornam inacessíveis com o tempo.
O professor Nick Turk-Browne, da Universidade de Yale e principal autor do estudo, explicou que, por volta de um ano de idade, as crianças demonstram uma impressionante capacidade de aprendizado, adquirindo habilidades como linguagem e locomoção. No entanto, essas lembranças não são recuperáveis mais tarde, o que intriga cientistas há décadas.
Inicialmente, Sigmund Freud teorizou que as memórias infantis eram reprimidas, mas essa hipótese foi amplamente descartada. Pesquisas recentes sugerem que o hipocampo, região cerebral essencial para a memória episódica, não está completamente desenvolvido na infância, o que pode explicar essa dificuldade em recuperar recordações.
Para realizar o estudo, a equipe de Turk-Browne enfrentou o desafio de obter imagens cerebrais detalhadas de bebês, que naturalmente se movimentam muito. Utilizando métodos inovadores, como a adaptação do ambiente de ressonância magnética com chupetas e bichos de pelúcia, os cientistas conseguiram manter os bebês calmos o suficiente para capturar dados confiáveis.
Os pesquisadores escanearam o cérebro de 26 bebês enquanto observavam imagens de rostos, objetos e cenas. Posteriormente, os pequenos foram expostos a novas figuras, intercaladas com algumas já vistas anteriormente. O tempo que cada bebê passou olhando para as imagens conhecidas foi utilizado como um indicador de memória. Os resultados mostraram que o hipocampo já participa ativamente da codificação de memórias desde aproximadamente um ano de idade.
O estudo revelou que bebês que tiveram melhor desempenho nas tarefas de memória apresentaram maior atividade no hipocampo. Entre os 13 bebês mais velhos analisados, 11 demonstraram essa ativação, enquanto os mais novos não apresentaram a mesma resposta.
Apesar da comprovação de que bebês formam memórias, ainda há dúvidas sobre o que acontece com essas lembranças ao longo do tempo. Uma possibilidade é que elas nunca sejam completamente consolidadas, ou que permaneçam armazenadas, mas inacessíveis. Turk-Browne acredita na segunda hipótese e já conduz uma nova pesquisa para avaliar se crianças conseguem reconhecer videoclipes gravados de sua própria perspectiva quando eram bebês.
Os primeiros resultados sugerem que essas memórias podem persistir até cerca dos três anos antes de desaparecerem. O cientista se diz particularmente interessado na possibilidade de que esses fragmentos possam ser reativados mais tarde na vida, abrindo caminho para novas descobertas sobre a memória humana.