Posicionamento de Membros do Mercosul sobre a Situação na Venezuela

À margem de uma recente cúpula do Mercado Comum do Sul (Mercosul), realizada em Foz do Iguaçu, no Paraná, um grupo de membros do bloco, liderado pela Argentina, emitiu um comunicado conjunto. O documento expressa um apelo claro pelo restabelecimento da ordem democrática e pelo respeito irrestrito aos direitos humanos na Venezuela. Esta declaração surgiu em um momento de intensas discussões regionais e geopolíticas, evidenciando as diferentes abordagens dos países sul-americanos em relação à crise venezuelana.

O comunicado, divulgado no sábado (20), contou com a assinatura dos presidentes da Argentina, Javier Milei; do Paraguai, Santiago Peña; e do Panamá, José Raúl Mulino, que participaram do evento. Além dos chefes de estado, autoridades de alto escalão da Bolívia, do Equador e do Peru também subscreveram a carta, endossando a preocupação com a situação política e social na nação caribenha. A presidência da cúpula do Mercosul, sob a liderança do Brasil, observou as deliberações em meio a uma complexa teia de relações diplomáticas.

A Declaração Conjunta e Seus Fundamentos

O teor do comunicado reflete uma “profunda preocupação” com a grave crise que afeta a Venezuela, caracterizada por desafios migratórios, humanitários e sociais. Os signatários reafirmaram seu “firme compromisso” com a busca de uma solução. O objetivo central é a plena restauração da ordem democrática e a observância completa dos direitos humanos no país, utilizando exclusivamente meios pacíficos para tal. Esta posição coletiva sublinha a importância que alguns países da região atribuem à estabilidade democrática e à proteção das liberdades individuais no continente.

Além de expressar inquietação, o documento ratifica a validade do Protocolo de Ushuaia. Este instrumento, fundamental para o bloco, estabelece os compromissos democráticos dos estados membros. Os líderes também reiteraram a necessidade de articular mecanismos eficazes para a defesa da democracia, conforme previsto nas normativas do Mercosul. Um dos pedidos específicos formulados no comunicado é a libertação de presos políticos, medida que os signatários consideram essencial para a normalização do cenário político venezuelano.

O Protocolo de Ushuaia e a Suspensão da Venezuela

O Mercado Comum do Sul foi estabelecido em 1991 pelos países fundadores Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Em 2012, a Venezuela foi aceita como membro pleno do bloco, marcando um período de expansão. No entanto, em 2017, o país foi suspenso de suas atividades devido à constatação de uma ruptura da ordem democrática. Esta decisão foi fundamentada nas cláusulas do Protocolo de Ushuaia, um acordo assinado em 1998 que delineia os princípios democráticos que todos os países do Mercosul devem seguir. A suspensão representou uma medida de sanção política, visando pressionar a Venezuela a readequar-se às normas democráticas estabelecidas pelo bloco regional.

Divergências Regionais: O Posicionamento do Brasil e Uruguai

Apesar da relevância do tema e da participação na cúpula, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e o presidente do Uruguai, Yamandú Orsi, não assinaram o comunicado conjunto. A avaliação do Palácio do Planalto, sede do governo brasileiro, aponta que a adesão a um documento com tal teor, endossado pelo Mercosul, poderia ser interpretada por autoridades dos Estados Unidos como um apoio a uma eventual ação militar norte-americana na Venezuela. Tal cenário, segundo o governo brasileiro, não se alinha aos interesses do Brasil, que historicamente defende a não intervenção e a busca por soluções diplomáticas na região.

A postura brasileira reflete uma política externa cautelosa em relação à Venezuela, buscando evitar o que o governo considera uma escalada de tensões. O Brasil tem promovido a América Latina como uma zona de paz, princípio que o presidente Lula já havia comunicado ao então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. A preocupação é que qualquer declaração percebida como um endosso à intervenção possa minar os esforços diplomáticos e agravar a crise, transformando um problema político em um conflito de maiores proporções.

O governo brasileiro tem mantido uma postura de “profunda cautela” em relação aos temas que envolvem a nação vizinha. Embora o presidente Lula não tenha reconhecido oficialmente Nicolás Maduro como vitorioso nas eleições realizadas em julho de 2024 na Venezuela, o Palácio do Planalto considera ineficaz aprovar uma declaração que aborde a necessidade de resolver um problema político sem mencionar a “ameaça de solução militar” proveniente dos Estados Unidos. Essa perspectiva evidencia a complexidade da diplomacia brasileira, que busca equilibrar o apoio aos princípios democráticos com a defesa da soberania e a estabilidade regional.

Tensões Geopolíticas: Estados Unidos e Venezuela

O comunicado emitido pelos membros do Mercosul que o assinaram se concentrou nos aspectos internos da crise venezuelana, sem abordar diretamente a crescente tensão entre os Estados Unidos e a Venezuela. Também não mencionou o aumento da presença militar estadunidense na região do Caribe. Esta omissão contrasta com as preocupações levantadas por outros atores regionais e adiciona uma camada de complexidade ao cenário geopolítico envolto na situação da Venezuela.

A administração do então presidente Donald Trump, nos Estados Unidos, não reconhece Nicolás Maduro como o líder legítimo da Venezuela, desde que este assumiu o poder em 2013. Esta falta de reconhecimento tem sido um pilar da política externa estadunidense em relação ao país caribenho. Em consequência, os Estados Unidos têm realizado ações militares e de segurança na região, que incluem bombardeamentos de embarcações e apreensão de navios de petróleo. A justificativa para tais operações tem sido o combate às rotas de narcotráfico que, segundo Washington, abastecem os Estados Unidos.

O presidente Nicolás Maduro, por sua vez, tem uma interpretação distinta dos acontecimentos. Segundo o líder venezuelano, o reforço militar e as ações estadunidenses na região não visam apenas o combate ao narcotráfico, mas são motivados por interesses nas vastas riquezas petrolíferas da Venezuela. Maduro argumenta que o objetivo subjacente é sua remoção do poder. A Venezuela é um dos maiores produtores de petróleo do planeta, e o produto é o coração de sua economia. Nesse contexto, as ações norte-americanas podem causar uma “asfixia financeira” ao país, agravando ainda mais sua já delicada situação econômica e social. O governo venezuelano chegou a condenar o que classificou como “roubo e sequestro” de um petroleiro por parte dos EUA, e outro ataque aéreo estadunidense contra um navio resultou na morte de três pessoas no Caribe.

Diplomacia e Advertências de Lula

Diante da complexidade da situação, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva intensificou seus esforços diplomáticos. Em entrevista a jornalistas na última quinta-feira (18), no Palácio do Planalto, Lula informou ter mantido conversas por telefone tanto com o presidente Nicolás Maduro quanto com o presidente Donald Trump. O objetivo dessas conversas foi buscar uma solução diplomática para a situação na Venezuela, enfatizando a necessidade de evitar o agravamento da crise através de vias não pacíficas.

Durante a reunião do Mercosul, o presidente brasileiro reiterou seu posicionamento, afirmando que uma intervenção na Venezuela geraria uma “catástrofe humanitária” de proporções incalculáveis e estabeleceria um “precedente perigoso para o mundo”. A advertência de Lula sublinha a preocupação com a segurança e a estabilidade regional, bem como com o respeito ao direito internacional.

Lula, em seu discurso aos líderes presentes, também contextualizou a situação com uma referência histórica significativa. Ele observou que, após mais de quatro décadas desde a Guerra das Malvinas, o continente sul-americano se vê novamente “assombrado pela presença militar de uma potência extrarregional”. Essa observação ressalta a percepção de que “os limites do direito internacional estão sendo testados”, chamando a atenção para a fragilidade da soberania e a potencial reconfiguração das dinâmicas de poder na América do Sul.

A Posição Contrária da Argentina

Em contraste direto com a postura de cautela e a defesa da não intervenção do Brasil, o presidente da Argentina, Javier Milei, adotou um tom incisivo em relação à Venezuela e seu líder. Durante seu discurso na cúpula do Mercosul, Milei classificou Nicolás Maduro como “narcoterrorista”, uma denominação que reflete uma forte condenação de seu governo e suas políticas.

Além da crítica direta, o presidente argentino expressou seu apoio às ações militares na costa venezuelana. Milei declarou que “a Argentina acolhe com satisfação a pressão dos Estados Unidos e de Donald Trump para libertar o povo venezuelano”. Em sua visão, “o tempo da timidez nesta questão já passou”, indicando que o país defende uma abordagem mais enérgica e assertiva para a resolução da crise na Venezuela, alinhando-se a uma intervenção ou pressão externa mais robusta.

Perguntas Frequentes (FAQ)

O que foi o comunicado conjunto dos membros do Mercosul sobre a Venezuela?

Foi um documento divulgado por Argentina, Paraguai, Panamá, Bolívia, Equador e Peru à margem da cúpula do Mercosul, pedindo o restabelecimento da democracia e o respeito aos direitos humanos na Venezuela, expressando profunda preocupação com a crise migratória, humanitária e social do país e ratificando o Protocolo de Ushuaia.

Por que o Brasil e o Uruguai não assinaram o comunicado?

O Brasil e o Uruguai optaram por não assinar o comunicado porque, segundo o Palácio do Planalto, tal ação poderia ser interpretada pelos Estados Unidos como apoio a uma eventual intervenção militar na Venezuela, algo que o Brasil não deseja e considera prejudicial para a paz na América Latina. O governo brasileiro mantém uma postura cautelosa e busca soluções diplomáticas.

Qual a relação entre o Protocolo de Ushuaia e a situação da Venezuela no Mercosul?

O Protocolo de Ushuaia, assinado em 1998, estabelece os compromissos democráticos dos países membros do Mercosul. Em 2017, a Venezuela foi suspensa do bloco com base neste protocolo, devido à constatação de uma ruptura da ordem democrática no país, o que significa que o país não estava cumprindo as cláusulas de governança democrática exigidas para a permanência no bloco.

Quais são as tensões entre Estados Unidos e Venezuela mencionadas?

As tensões incluem o não reconhecimento de Nicolás Maduro como líder legítimo pelos Estados Unidos desde 2013, a realização de bombardeamentos e apreensões de navios de petróleo pelos EUA sob justificativa de combate ao narcotráfico, e a visão de Maduro de que as ações estadunidenses visam seus interesses petrolíferos e sua remoção do poder. Houve a condenação venezuelana de “roubo e sequestro” de petroleiro e um ataque aéreo dos EUA com vítimas no Caribe.

Para aprofundar a compreensão sobre os desafios democráticos na América Latina, explore análises complementares.

Fonte: https://agenciabrasil.ebc.com.br

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