Estudantes de universidades particulares renomadas têm conquistado as redes sociais ao mostrar suas rotinas luxuosas, que incluem motoristas particulares, viagens em iates e compras de itens de grife. Porém, o crescente número de influenciadores que compartilham seus estilos de vida extravagantes também levanta questões sobre os impactos emocionais dessa exposição, tanto para quem publica o conteúdo quanto para quem o consome.
Enrico Rico, de 22 anos, estudante de medicina na Universidade São Leopoldo Mandic (SP), é um exemplo desse fenômeno. Em seus vídeos no TikTok, ele compartilha detalhes de sua vida, como a chegada do motorista para buscá-lo na faculdade, a compra de chocolates para seus colegas e a apresentação de sua bolsa Louis Vuitton de R$ 17 mil. Para ele, o objetivo é inspirar seus seguidores, mostrando que é possível conciliar o luxo com os estudos.
“Eu mostro que é possível tornar o dia a dia mais leve, e isso inspira as pessoas. Ensino que dá para ter uma rotina divertida sem abrir mão do que é importante, como os estudos”, afirma Enrico em entrevista ao g1.
Entretanto, o que para alguns pode ser uma forma de motivação, para outros pode causar frustração. O psicólogo Alessandro Marimpietri, doutor em ciências da educação, alerta para o perigo do discurso meritocrático que alguns influenciadores transmitem, em que o sucesso financeiro é mostrado como consequência única do esforço individual, desconsiderando as desigualdades estruturais presentes no Brasil.
“Quem consome esse tipo de conteúdo pode sentir que o sucesso que esses influenciadores mostram é alcançável apenas com esforço próprio, ignorando que há fatores como a classe social, o acesso a oportunidades e as condições de vida que afetam a trajetória de cada pessoa”, explica Marimpietri.
O crescimento das redes sociais e o impacto da pandemia aceleraram esse tipo de exposição, segundo Andrea Jotta, pesquisadora de ciberpsicologia. Ela aponta que, com o isolamento social, muitas pessoas passaram a abrir as portas de suas casas para o público, desafiando os limites entre o público e o privado. Isso se reflete na tendência de exibição constante da vida pessoal, seja de estudantes ricos ou de pessoas de classes sociais mais baixas.
Além de Enrico, outros estudantes influenciadores, como Liria Máximo, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) de São Paulo, também fazem sucesso mostrando seus looks de grife. Liria compartilhou em um post a experiência de perceber que sua bolsa Longchamp, adquirida por R$ 2.200, não era exclusiva, ao ver outras colegas com o mesmo item. Apesar de algumas críticas sobre o estilo de vida de luxo, ela vê na moda uma forma de autoexpressão e motivação.
“Eu amo montar meus looks e isso acaba sendo um incentivo para ir à faculdade. Mesmo que algumas pessoas achem desnecessário, para mim é importante estar bem-vestida. Isso faz parte da minha identidade”, diz Liria.
Nas universidades de alto padrão, como a Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e a Link School of Business, esse fenômeno também se reflete nas práticas cotidianas. Estudantes compartilham suas rotinas de luxo nas redes sociais, como no caso de Júlia Cardoso, que, ao gravar vídeos de “arrume-se comigo” no TikTok, exibe marcas de luxo e até parcerias com empresas como Arezzo.
Apesar das críticas que recebe nas redes sociais, Júlia defende que a exibição de sua vida não interfere em sua performance acadêmica. “Sempre fui bem nos meus estudos e me orgulho disso. O fato de eu gostar de me arrumar não significa que eu não esteja comprometida com a minha educação. Sou influenciadora de moda e, por isso, uso as roupas que tenho com muito orgulho”, defende a estudante.
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ToggleO Impacto Emocional para os Criadores de Conteúdo
A exposição de uma vida luxuosa nas redes sociais não traz apenas benefícios, mas também desafios. Enrico Rico, por exemplo, admite que as reações a seus vídeos têm um impacto emocional. “É difícil não se preocupar com o que os outros pensam, especialmente quando um post não recebe o engajamento esperado”, confessa.
Esse fenômeno é mais evidente entre os influenciadores, que podem se sentir pressionados a criar conteúdo constantemente. Psicólogos alertam para o risco de depender da validação nas redes sociais para autoestima. A psicóloga Andrea Jotta afirma que, quando o conteúdo não atinge as expectativas, isso pode afetar o bem-estar emocional do criador, criando uma relação tóxica com as redes.
“Depender da quantidade de curtidas ou visualizações para se sentir bem é um processo perigoso. Os influenciadores devem entender que sua autoestima não pode ser baseada exclusivamente no feedback das redes sociais”, explica Jotta.
A Realidade do Luxo nas Universidades
Para muitos, a realidade mostrada nas redes sociais está longe de ser acessível. Em vídeos como os de Liv Nakashima, aluna da Link School of Business, estudantes mostram os brindes recebidos de suas universidades, como garrafas térmicas de R$ 300 ou iPads da Apple, enquanto seguidores de universidades públicas e menos privilegiadas comentam sobre as dificuldades que enfrentam no dia a dia acadêmico.
“O que vemos é uma comparação constante entre realidades muito diferentes. Alguns estudantes ficam frustrados ao se depararem com esses vídeos e pensam que sua experiência acadêmica não tem o mesmo valor. Isso pode gerar ansiedade e depressão entre os jovens que não têm acesso a esse tipo de luxo”, alerta Marimpietri.
A Necessidade de Reflexão e Autocuidado
Diante da crescente exibição de luxos nas redes sociais, tanto para os criadores de conteúdo quanto para seus seguidores, é essencial refletir sobre o impacto dessa exposição na saúde mental. Para quem consome esse conteúdo, Jotta sugere: “Se isso não faz bem, evite. O algoritmo do TikTok pode ser direcionado para mostrar outros tipos de conteúdo, que podem ser mais positivos e inspiradores.”
Para os influenciadores, a reflexão é sobre o equilíbrio entre mostrar sua vida pessoal e proteger sua saúde emocional. É necessário não deixar que a necessidade de validação online sobreponha o bem-estar individual, lembrando que a verdadeira felicidade não está na quantidade de seguidores ou nas reações dos outros, mas no equilíbrio entre vida pessoal, profissional e emocional.
Com essa análise, fica claro que a influência das redes sociais pode ser tanto uma fonte de inspiração quanto uma potencial armadilha, dependendo de como se lida com as expectativas criadas ao redor da imagem que se projeta.