Nos últimos meses, vídeos de alunos evangélicos reunidos para ler a Bíblia e cantar louvores em escolas públicas e privadas têm se tornado virais na internet. Esse movimento, conhecido como “intervalo bíblico” ou “devocional”, tem sido impulsionado por jovens que enxergam a prática como uma forma de expressão da fé durante a rotina escolar. No entanto, a presença de líderes religiosos e influenciadores nesses encontros levanta questões sobre os limites da liberdade religiosa e a laicidade do Estado.
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ToggleExpressão Religiosa ou Culto nas Escolas?
De acordo com especialistas, os alunos possuem o direito de exercer sua liberdade religiosa, desde que isso não interfira nas atividades pedagógicas, seja autorizado pela administração da escola e respeite os demais estudantes. Entretanto, a participação de pastores e influenciadores religiosos em escolas públicas pode ser considerada inconstitucional se não estiver dentro do contexto de ensino religioso previsto por lei.
A Constituição Federal, em seu artigo 19, estabelece que órgãos públicos não podem promover ou favorecer cultos religiosos ou igrejas. Dessa forma, a entrada de líderes religiosos nas escolas sem um caráter educativo e ecumênico pode ferir esse princípio constitucional.
O Intervalo Bíblico e os Jovens
Felipe Arantes, de 15 anos, participa de um grupo de devocional na Escola Doutor Francisco Pessoa de Queiroz, em Recife. Segundo ele, o encontro ocorre nos intervalos e foi uma iniciativa espontânea dos alunos. “O intervalo bíblico fortalece nossa fé diante dos desafios escolares. Em poucos minutos, cantamos louvores e lemos a Bíblia”, relata o estudante.
Já Nayane Ramos, de 18 anos, ex-aluna da Escola Estadual Anísio Teixeira, em Natal, enfatiza que o devocional foi autorizado sob a condição de não gerar conflitos e não prejudicar os estudos. Ela também destaca que outros grupos religiosos tinham a mesma liberdade de se reunir. No entanto, em uma ocasião, uma estudante de candomblé sentiu-se desconfortável ao presenciar o encontro religioso.
Influência de Pastores e Missionários nas Escolas
Há relatos de que pastores e influenciadores religiosos vêm participando de encontros nas escolas, o que tem gerado preocupações quanto à separação entre religião e ensino público. Em Pernambuco, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Sintepe) recebeu denúncias sobre:
- A realização de cultos e participação de líderes religiosos;
- Uso de caixas de som e instrumentos musicais, causando constrangimento a outros alunos;
- Utilização de materiais escolares sem autorização para os encontros;
- Proselitismo, ou seja, tentativas de conversão de estudantes.
Diante dessas denúncias, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) realizou audiências para avaliar a situação e garantir que a laicidade seja respeitada nas escolas.
Missionários Influenciadores e Palestras em Escolas Públicas
Missionários influentes nas redes sociais, como Guilherme Batista e Lucas Teodoro, realizam eventos em escolas públicas por todo o país. Guilherme Batista afirma que já organizou mais de mil encontros em instituições de ensino, abordando temas como depressão e respeito aos professores, mas sempre com um viés cristão. Ele nega que seus eventos sejam de evangelização, embora expresse a importância da “palavra de Deus” nas palestras.
Lucas Teodoro, por sua vez, promove treinamentos pagos para ensinar a evangelização nas escolas. Segundo relatos de alunos, algumas dessas palestras acontecem sem aviso prévio, o que pode ser problemático do ponto de vista legal e educacional.
O Equilíbrio Entre Laicidade e Liberdade de Expressão
Especialistas apontam que a liberdade de crença dos estudantes deve ser respeitada, mas alertam para a necessidade de limites claros. O professor Álvaro Jorge, da FGV, destaca que a escola pode regular práticas religiosas para evitar conflitos e manter a neutralidade do ensino público.
Além disso, a participação de figuras religiosas deve seguir um caráter educativo e ecumênico. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) prevê que o ensino religioso deve ser facultativo e sem proselitismo. A entrada recorrente de líderes de uma única religião pode caracterizar privilégio, o que contraria o artigo 19 da Constituição.
Reflexões Finais
O debate sobre a presença de práticas religiosas nas escolas públicas evidencia a necessidade de equilibrar liberdade de crença e respeito à laicidade do Estado. Enquanto especialistas divergem sobre a proibição ou regulamentação desses encontros, um ponto em comum é a importância de manter a escola como um ambiente plural e inclusivo, garantindo que todos os alunos – independentemente de sua crença – sintam-se respeitados e acolhidos.